14 de julho de 2012

Crítica | A Quadrilha Maldita

DAY OF THE OUTLAW

(A QUADRILHA MALDITA)

Direção: André De Toth

Roteiro: Philip Yordan

Elenco: Robert Ryan, Burl Ives, Tina Louise...

Ano: 1959

Duração: 92 minutos

Deslumbrante vazio branco dá tons negros à obra-prima de De Toth.

Análise: Nada de desertos arenosos, nem mesmo do insuportável calor que carrega consigo. Nada de peles-vermelhas, nem de conflitos que cheguem perto dos tais. Nada de diligências, de humor, de politicamente correto, de mocinhos e bandidos, de pureza... O que realmente assistimos neste (baita) faroeste do diretor húngaro – e caolho, vale a curiosidade – André De Toth são sequelas pra lá de arrepiantes e, ainda por cima, muito destemidas.

Para provar o atrevimento do projeto, em primeiro lugar, dispara a fuga para uma narrativa que tem, como um de seus pilares de apoio, o meio-ambiente gélido, tempestuoso, invernal e muitos outros adjetivos relacionados ao frio, o que já não é de muita frequência ao gênero, visto que este se delineou em bases sólidas e de difícil câmbio. Todavia, para o filme em questão, a presença de um descampado onde somente se enxerga a brancura da neve e do gelo não serve única e especificamente para a beleza estética e visual do projeto, porém mais para interligar-se direto aos interiores dos personagens: secos, apáticos e indiferentes, assim como a tocante paisagem. Mais a fundo, a predileção por um contraste muito ostentativo entre o preto e o branco também se relaciona com a personalidade daquelas interpretações, mas, desta vez, fazendo jus às suas dualidades – como exemplo, temos Helen Crane (Tina Louise) que, apesar de casada com Hal (Alan Marshal), pode recorrer a Blaise Starrett (Robert Ryan); ou com o caso de Gene (David Nelson), o qual faz parte da gangue que toma a cidade e, ao mesmo tempo, revela-se em um amor teoricamente proibido com Ernine (Venetia Stevenson).

Adaptado da estória de Lee E. Wells, a projeção dá o pontapé inicial através de um plano geral de prolongada duração, em que o forasteiro Starrett e seu capataz Dan (Nehemiah Persoff) cavalgam arduamente por entre toda aquela neve que assola a região, imprimindo nela uma alvura límpida e poderosa. E potente como o branco de fervilhar os olhos daquele pacato vilarejo, só mesmo a quadrilha maldita do velho capitão do Exército, Jack Bruhn (Burl Ives). O grande roubo do qual ele e seus capangas foge traz a atenção das autoridades do país, que, apesar da falta da presença física, mostram-se ásperos e muito temidos, respondendo aos ataques com violência (o tiro no peito de Bruhn).

“Você está morrendo, Bruhn. Está interessado? Como quer morrer? Você é um homem, não um animal. Pode sair daqui comigo e morrer dignamente, ou pode soltar seus homens na cidade, e morrer no lodo como um porco.”

Como este é o último ponto de parada dos saqueadores, pelo fato de que dali à frente só existe montanhas, eles resolvem fazer dos caubóis e rancheiros – dois grupos que conviviam em constantes disputas, às vezes só resolvidas pelo bom e velho showdown – seus subordinados. Enquanto a maioria da população só demonstra preocupação pela possibilidade de haver no povoado um massacre, é Starrett quem dá o braço a torcer e tenta evitá-lo; neste ponto, os cidadãos deverão esquecer-se das desavenças e unir forças. Sob a chefia de um enfermo Bruhn, alguns dos renegados acatam às suas ordens (como não beber e nem se “divertirem” com as mulheres) e outros tentam burlá-las, sem sucesso. Contudo, o que eles conseguem garantir – até com certa folga – é a opressão; dos maridos, sobretudo, os quais têm suas mulheres arrancadas para que elas dancem sórdida e humilhantemente com os novos “patrões” daquele lugar.

De aspectos interessantes em um roteiro tão bem escrito como tal, por Philip Yordan, pode-se notar a presença secundária do personagem de nome Pace (Lance Fuller), que significa “paz” em italiano e, partindo contrariamente ao sentido exposto, ele adora machucar (ou deveria dizer matar?) os seres, como o próprio Bruhn especificou em sua primeira aparição. Além disto, a escrita dos diálogos se dá criteriosa (para acertar em cheio movimentos da época, como a repressão e a guerra) e com uma poesia rude, tornando-os a principal arma de ataque para colidir de frente com os espectadores.

“É curioso como uma guerra muda a vida de um homem. Poderia ter ordenado a retirada, mas dava a ordem de ‘fogo’. Em West Point, decidi ser só soldado, sem que ficasse lugar para o ser-humano. Obrigado.”

A direção de De Toth é mais uma vez digna de aplausos, sendo mais eficiente até mesmo no controle de seus atores e resultando em uma perfeita harmonia. Contudo, muito além, o que mais se pode tirar deste trabalho do realizador é a forte inovação a que lidou com o suspense, agravando a tensão a todo minuto e arrancando pontos densos dos extremos nos quais roda a película. Já com seu ápice assegurado, De Toth continua o soberbo trabalho por meio do psicológico: ele faz uma simples discussão parecer mais do que isso, algo próximo de uma “batalha falada”. Sem dizer de seus planos sempre sugestivos, que mais se retratam na cena de operação de Bruhn, em um close salientando o sofrimento do tipo, ao mesmo instante em que faz sua observação à guerra.

A trilha sonora é de Alexander Courage, e talvez nunca um western norte-americano tenha ouvido uma somatória de melodias tão próximas às do spaghetti, como tal. O ritmo de tensão conjugado pelo diretor só é melhorado com as faixas de Courage, que se deixam ausentes por alguns momentos, mas naqueles mais importantes, estão sempre à disposição.

Por fim, a fotografia de Russell Harlan é um dos elementos mais chamativos de todo o ciclo. Sublime e deveras contemplativa, a preferência pelo preto-e-branco enquadrou-se para contrastar e refletir nas personalidades – como dito no início da resenha. Ela convém também para complementar uma direção de arte afiada, de Jack Poplin.

Abastecido por um final arrasador e cru (relato-o em aspecto positivo), em A Quadrilha Maldita aprendemos uma verdadeira e proficiente lição sobre a ganância dos seres-humanos: aqueles que mais querem, menos têm. As mortes dos integrantes da quadrilha se dão por eles mesmos, assassinando-se aos poucos, lentamente. Eles entraram juntos naquele assalto, porém não querem sair desta mesma maneira; estão cada vez mais famintos pelo dinheiro, e não pelos amigos, nem mesmo pelos animais que serviriam minimamente como veículos de fuga. Terminamos, portanto, com uma crítica mais atual que nunca.

MINHA NOTA:

POR BRUNO BARRENHA.

3 comentários:

  1. Quando um filme tem Robert Ryan e Burl Yves (não sei dizer se antes ou depois de Da terra Nascem Os Homens, mas creio que depois), tem ainda um diretor tarimbado no genero ( exps;O Sabre e a Flecha/53, A Um Passo da Morte/55) e é uma fita sem cores e com um cenário completamente atipico em filmes de faroestes, algo disperta a atenção.

    Comecei a ver a fita e a senti morna, sem atrativos, com muita conversa e sem nada ocorrer e senti vontade de parar de ve-lo.
    Porém, algo me falava para não fazer isso.

    Não o fiz e, quando Burl Yves e sua "Quadrilha Maldita" entra em cena, tudo tem uma reviravolta muito cheia de surpresas. O que estava morno esquenta e o que andava parado começa a se mexer quase que em agonia mortal.

    Conforme cita o nosso editor, e que não preciso repetir, o filme de Toth/Ryan/Yves entorna para uma sucessão de ocorrencias muito anormais em faroestes.
    Como uma noite de danças dos bandidos sedentos e ardentes com as mulheres do local.
    Os maridos destas postos em outro vão desconhecem a que suas mulheres estão sendo submetidas, enquanto os olhos furtivos e tenazes de Burl Yves mantém sobre o local e suas feras uma férrea supervisão.

    Aquela cena suja e selvagem é algo que o cinema nunca mostrou daquela forma.
    VÊ-se comportamentos animalescos incontidos em todos os homens, enquanto as mulheres cheias de asco com aqueles hálitos e caras atormentadas, esquivam-se como podem, mas é o que no máximo podem fazer.

    Uma fita rica, com quase que 100% filmada em um único e pobre ambiente, e que logo se desloca para um inferno branco, assustador e fatal.

    Um momento bem lembrado do cinema por nosso resenhista. Um filme que, se não posto como aqui para uma exposição, passaria em branco.
    E este é um filme que não merece desleixo.
    jurandir_lima@bol.com.br

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  2. Belíssimo artigo Bruno. O filme merece a quantidade de Eastwoods! De Toth tem filmes instigantes e confesso que o trash clássico "House of Wax" é meu favorito.

    Abraço.

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  3. Alguém sabe dizer se esse é o último filme com Robert Ryan?

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