7 de julho de 2012

Crítica | Tepepa

TEPEPA

Direção: Giulio Petroni

Roteiro: Ivan Della Mea e Franco Solinas

Elenco: Tomas Milian, Orson Welles, John Steiner...

Ano: 1969

Duração: 136 minutos

Como ingredientes para seu preparo, mistura-se o tempero de Welles e de Milian para dar o devido gosto a um espaguete de sabor crítico.

Análise: Orson Welles é norte-americano e um dos ícones máximos da sétima-arte. Tomas Milian é nascido em Cuba e um ator de excessivo feitio artístico. Para completar a triagem das personalidades que fazem de Tepepa um dos faroestes mais esplêndidos (e críticos) da Europa, há a presença de John Steiner – inglês e o menos conhecido dentre os anteriores.

Welles, o primeiro referido acima, será para sempre lembrado como Charles Foster Kane (de Cidadão Kane, 1941) e, em cima do próprio, também contará com a reputação de ter realizado “o melhor filme do cinema”. Assim, a demonstração da alta influência causada por ele nesta produção consiste logo no início, quando tem seu nome aparecendo em primeiro lugar nos créditos, à frente até mesmo do próprio título do filme. Fatalmente, ter um cineasta de tamanho escalão em um gênero que, na época, muitos repeliam era, possivelmente, uma prova de crescimento do dito cujo. No entanto, nada foi de muito proveito e benefício ao western spaghetti, pois o gênero teve seu encerramento pouco tempo depois e, segundo o diretor Giulio Petroni, o clima nas gravações era terrível devido aos insultos proferidos por Welles a Milian, o qual reverenciava o experiente “companheiro”. De qualquer jeito, apesar das inúmeras diferenças e desentendimentos entre eles, cada qual dos atores se assemelha no que diz respeito à habilidade de atuação e interpretação de seus respectivos personagens: de maneira sublime, marcam seus ápices assim como o revolucionário Tepepa marca os rostos de seus inimigos.

O uso da Revolução Mexicana como pano-de-fundo nos faroestes europeus é de uma natureza muito recorrente, responsável até por gerar um novo (sub)gênero, epigrafado como Zapata-Western. E todos os realizadores que passaram pelo assunto buscaram, de alguma forma, inserir duras críticas ao processo ditatorial que persistiu no México entre 1910 e 1920 – como fez Sergio Corbucci em Il Mercenario (1968) e Compañeros (1970), e Leone em Quando Explode a Vingança (1971). Estas são fitas bastante ousadas em relação ao discernimento apresentado, mas não chegam tão direto e reto ao ponto como faz Tepepa, de Petroni.

Prova de tal comprovação pode ser encontrada, entre outras partes, no estopim do filme: o carro – moderno para a época, digamos – do Doutor Henry Price (Steiner) tem alguns problemas e, para resolvê-los, recebe a ajuda dos trabalhadores pobres, que empurram seu veículo até este voltar ao normal; o socorro por eles prestado é um sinônimo de poder da classe menos favorecida, porém também significa a própria submissão pela obrigação que tinham. A partir de então, obtém-se um foco que diverge da visão sócio-político-econômica não só no tempo em que se passa o filme, mas também que se reflete nos dias de hoje ou de quando foi filmado, através de uma linguagem cada vez mais nova e consistente.

Posterior ao médico inglês, Price, avistamos o Coronel Cascorro (Welles): sangue frio e inclemente, ele é a amostra concreta de como um governo pode ser bem pior que qualquer outro tipo de revolucionário ou bandido – outra das críticas nitidamente impostas. Sem piedade e já em sua primeira aparição, Cascorro não hesita em sacar o revólver para assassinar um garoto que o insultara, causando o inconformismo de Price para com a situação na qual o país estava prestes a alcançar. Simultaneamente, o herói Tepepa (Milian) recebe o máximo de afeto da população por sua luta, já que estaria próximo de ser fuzilado. E, momentos antes de sua morte, na preparação dos soldados, um padre vai até ele com o intuito de oferecer uma dor pacífica, porém é rejeitado de forma cruel, em uma impactante imagem da cruz sendo menosprezada e ninguém sem mover um único músculo. Já quando é chegada sua hora, em instantes carregados de tensão pelos rufares dos tambores, o revolucionário é salvo pelo estrangeiro Price que, mesmo com tal ato, deseja matar Tepepa com suas próprias mãos.

Carregado de contratempos, os conflitos entre o trio vão ganhando elementos obscuros e que só poderão ser encontrados na mente do espectador, por sua atenção durante tudo que acontecera até então. Não é à toa que o roteiro, redigido a quatro mãos, por Della Mea e Solinas, acaba por se tornar o cume de todo o filme, criando situações inesperadas e um sutil desenvolvimento de personagens, além da inclusão de flashbacks e os fortes julgamentos contra a política, seja por ações ou pelas falas de efeito recheadas de acidez.

Os atores, responsáveis justamente pela interpretação sublime de tais falas, acabam por se dividir e a desarmonia entre o núcleo primário (formado pela elite, com Welles, Milian e Steiner) e o secundário (com o “chico” Luciano Casamonica, Ángel Ortiz, José Torres etc.) torna-se visível. O resultado final, entretanto, de jeito algum pode ter seu mérito perdido.

Atrás das câmeras, deparamo-nos com um Giulio Petroni em sua melhor fase, dois anos depois de realizar A Morte Anda a Cavalo, com o experiente Lee Van Cleef. A herança deixada por Leone aos diretores seguintes do spaghetti reflete claramente neste trabalho, no qual Petroni exacerba em closes e zooms dramáticos e, acima de tudo, explora engenhosamente as partes do script em que há a necessidade de expor uma queixa contra algo. Tudo isto em conjunto, aproxima Tepepa dos filmes do mestre que deu a expansão necessária ao gênero “americano por excelência” na Europa.

E, como não podia faltar, as faixas musicais são assinadas pelo maestro Ennio Morricone – sempre muito requisitado pelos realizadores do faroeste. Para não perder o costume, a composição parte de um trabalho de gênio e finaliza-se com um conteúdo rico e bastante intuitivo, denotando uma ambientação sofrível por onde passa os carros dos coronéis e também a lenta marcha da revolução em um país que repudia os menos favorecidos. Ao fim da obra, não tem como, é claro, esquecer-se do ritmo contagiante e marcante.

Tomas Milian em seu frame mais notório: “Terra e Liberdade”.

De um lado, é louvado como um Deus; de outro, odiado como o pior dos terroristas. A verdade é que Tepepa fez o que pôde para seu povo, e ganhou merecidamente o destino que lhe foi dado. Por parte, um cidadão justo e de conceitos ambíguos: renegava àqueles que roubavam, mas, de forma indireta, era o que ele próprio fazia. Durante sua grandiosa jornada, abrangente em todos os 136 minutos de projeção, engrandecemos nosso pensamento recebendo um pouco mais de genialidade através de um roteiro audacioso e uma direção fiel.

O resultado é forte e chocante, inegavelmente, com cenas difíceis de digerir e uma análise bem detalhada que engloba todo e qualquer tipo de selvageria: até a mulher entra no palco para sofrer com a violência, e é por isto que creditamos Tepepa como uma película atual e progressiva. Além da figura feminina, o suborno também tem seu lugar, e adentra em cenário quando o Doutor Price (que deveria ser uma figura exemplar) dá dinheiro para ser solto da prisão; seu pedido não só é atendido, como também agraciado pelo fato do mesmo poder dormir na casa (e com a esposa) do guarda que o liberou.

MINHA NOTA:

POR BRUNO BARRENHA.

5 comentários:

  1. Acho que é um dos melhores westerns europeus e sem dúvida um dos mais memoráveis na facção zapatista. Já a presença de Orson Welles até posso considerar escusada. Um ego tão grande não encaixa aqui.

    --
    Pedro Pereira

    http://por-um-punhado-de-euros.blogspot.com
    http://auto-cadaver.posterous.com

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    1. Com certeza: um dos melhores eurowesterns e, mais especificamente, da sessão dos Zapatas. Em relação ao Welles, até agora não entendi seu envolvimento no projeto. Pelo menos deu uma engrandecida!

      Abraços.

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    2. Parece que ele fazia estas coisas para financiar os seus próprios projectos..

      --
      Pedro Pereira

      http://por-um-punhado-de-euros.blogspot.com
      http://auto-cadaver.posterous.com

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  2. Escusado será dizer que este filme sofreu muitos cortes e em muitos países a sua projeção nem sequer chegava aos 100 minutos.
    Curiosamente, parece que foi muito aplaudido nas salas de cinema do México.

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    1. Sim. Eu mesmo vi uma versão cheia de cortes, com 116 minutos - agradeço por ter passado dos 100min. Imagino o quão prejudicial deve ser cortar partes tão fundamentais para uma película. Triste.

      E não é para menos o filme de ser aplaudido pelos mexicanos: parece que foi feito para eles.

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