5 de novembro de 2012

36ª Mostra Internacional de Cinema: Crítica | Estrada de Palha

 ESTRADA DE PALHA

Escrito e dirigido por: Rodrigo Areias
Elenco: Vítor Correia, Inês Mariana Moitas, Nuno Melo, Ângelo Torres...
Ano: 2012
Duração: 90 minutos

Desobediência civil na dosagem certa para contrapor metáforas.

Análise: Antes da terceira exibição de Estrada de Palha – faroeste de coprodução Portugal/Finlândia do qual eu, de fato, não sabia o que esperar – pela 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, os gajos Rodrigo Areias e Vítor Correia foram dar uma palavrinha com o público presente na sala da Cinemateca, alertando de que a projeção à nossa frente era um filme de baixo orçamento [50 mil euros] e que muito fora reciclado do gênero para ser, então, reutilizado. E, pouco antes de deixar a sala ao lado de seu ator-fetiche – a dupla estava visivelmente cansada, o que viria a ser confirmado mais tarde – e dar início à sessão, Areias matutou nossa cabeça ao anunciar seu retorno ao fim da mesma, querendo ser elogiado... ou criticado. 

Já com as luzes apagadas (e os cineastas à vontade em suas poltronas), somos surpreendidos pelo primeiro dos inúmeros excertos do livro político A Desobediência Civil, do americano Henry David Thoureau: “O melhor governo é o que não governa”. Tais fragmentos, inclusive, serão os responsáveis por guiar a todos no decorrer do filme, seja como metáfora do mundo atual (sobretudo da Europa, que vive em tempos anestésicos de crise) ou simples elemento de ligação para as ações em tela. 


Há pouco mais de 100 anos, em um dos mais importantes períodos da história de Portugal, a Implantação da República, o pastor Alberto Carneiro (vivido por Vítor Correia, em uma mistura física de Lee Van Cleef e Daniel Day-Lewis) cerca-se apenas pela neve e pelo frio na província finlandesa da Lapônia, até ser comunicado por meio de cartas que seu irmão fora assassinado em seu país-de-origem, de onde já estava afastado por cerca de uma década. A partir de então é que o país português dá, definitivamente, suas caras; abriga, como um bom anfitrião, todas as cenas dali ao final, por maior que seja a dificuldade em leva-la ao descampado requerido. É com esse pano-de-fundo, o da vingança, que se caminha pela estrada de palha – aqui mais uma das metáforas, sendo a tal “palha” usada para disfarçar a sujeira dos animais nas aldeias daquela época; ou seja, uma pura comparação com os políticos. 

Para a passagem do tempo, enquanto seu protagonista viaja na volta a Portugal, Areias importa-se em mostrar o mesmo entrando em navios, trens e, acima de tudo, faz com que sua barba cresça – tudo a medida em que os créditos passam. Uma técnica bastante válida, que nos oferece o necessário para termos a noção de tempo exata. E, quando finalmente chega ao destino, encontra o país em ruínas políticas, na mão de aproveitadores, fato que se encara com normalidade – hoje e ontem. Um dos algozes de Alberto é o general (ou um quase xerife) interpretado por Nuno Melo, que mergulha em seu papel assim como o restante do competente elenco o faz, com uma menção (mais do que) especial para Correia, soberbo até em cenas nas quais o corpo deve estar mais descansado que a própria mente. 

Assinando pela segunda vez o cargo de diretor em longas-metragens (o pontapé se deu com Tebas, em 2007), Rodrigo Areias pende a balança deste seu último trabalho para o lado mais monótono e reflexivo, além de escrever diálogos provocadores e praticamente eliminar a ação exacerbada, tomando só o necessário para tal. Entretanto, talvez o mais interessante em seu ponto-de-vista como realizador seja a criação de um embate na relação entre homem e natureza, compondo planos abertos e fazendo assim o realce inevitável na fotografia de Jorge Quintela, que oferece mais beleza a relances narrativos. 

Em aspectos sonoros, a nostalgia de sons lisérgicos são impressos como melodias aos ouvidos dos amantes do velho-oeste, remetendo-nos à época de Sergio Leone e seu universo à parte: o do desenho de som. As honras prestadas aos seus “filmes sonoros” (Era uma vez no Oeste é o apogeu deles) apenas somam pontos para o crescimento desse western bacalhau. Musicalmente, Paulo Furtado e Rita Redshoes tentam alcançar a áurea já cunhada por Ennio Morricone no gênero, seguindo os mesmos passos do lendário maestro ao extrair de instrumentos pouco convencionais e criar faixas predispostas a grudar na cabeça por algum tempo; não é o necessário, porém, para a dupla adentrar um patamar deveras elevado. 


A difusão do eurowestern, apesar de em menor escala em Portugal, fez com que o país se avantajasse e desse um passo a frente para a produção de Estrada de Palha. Um dos pontos favoráveis para isso é no que diz respeito à sua localização estratégica, dividindo fronteira com a Espanha (uma das expoentes do gênero antes tipicamente americano) e estando próximo de grandes produtores, como Itália e Alemanha. Revelando-se um trabalho de conteúdo político, ético e poético, o ato final somente ecoa tais características obra adentro, como um dos melhores de toda a película; o pistoleiro Alberto enterra sua arma e evita o duelo com quem mais o procurara, sugerindo uma das frases mais fortes de toda a sétima-arte, declamada pelo eterno poeta da violência, Sam Peckinpah: “O fim de um filme é sempre o fim de uma vida”. No caso de Estrada de Palha, quem teve fim foi o faroeste. 

MINHA NOTA: 
POR BRUNO BARRENHA. 

Um comentário:

  1. Ótimo post Brunão!
    Nem sei o que dizer dom filme..... rs

    Preciso conferir. Curioso!

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